quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O falso barão que enganou o governador

O barão de Benyowsky, um conde húngaro que fora exilado para Canchatca, na Sibéria, conseguiu enganar vários governadores, entre eles o de Macau. Mais fácil foi ainda a “ascensão” ao trono real de Madagáscar
Num miserável estado, a corveta S. Pedro e S. Paulo chegou a Macau em 22 de Setembro de 1771, após seis meses de uma viagem tormentosa. Mais trágica era a situação dos 65 sobreviventes que vinham a bordo, na sua maioria militares húngaros, comandados pelo coronel barão de Benyowsky. E com eles vinham mais cinco pessoas vestidas de mulher. Traziam uma fome tal que a sofreguidão com que se atiraram à comida levou treze a perderem a vida por congestão.
Durante a estadia em Macau, de 22 de Setembro a 17 de Janeiro, o governador Diogo Fernandes Salema e Saldanha - que pela segunda vez desempenhava o cargo - e o Senado, concordaram em dar o necessário para que não os deixassem morrer à fome. Mas, foi tal a largueza com que o Senado os sustentou que o Vice-Rei da Índia, em carta de 28 de Abril de 1772, lhe lembrava que, embora essas acções sejam “muito agradáveis e generosas”, “o cabedal que administra não é seu”.
A história que contaram da sua viagem começa quando o conde húngaro Maurício Augusto Benyowsky, general de cavalaria dos Confederados foi combater os russos na Polónia. Estes aprisionaram-no em 1769 e mandaram-no para Canchatca com os soldados do seu comando. Localizada na Sibéria, Canchatca é uma península montanhosa localizada no extremo Nordeste da Rússia. Aí os deixaram, sobrevivendo com a caça. O governador Niloff vendo a esmerada educação do conde confiou-lhe a educação das suas filhas, mas a mais velha, Afanásia, apaixonou-se por ele.
Exilado no Canchatca, começou a planear uma fuga com os seus soldados, mas foram descobertos e o governador, com a tropa na refrega para os dominar, foi morto. O conde Benyowsky apoderou-se da corveta S. Pedro e S. Paulo e fez-se à vela a 12 de Maio de 1771 com os seus 95 homens. Afanásia seguiu-o vestida de homem, e com o nome de Aquiles.
Tencionavam dirigir-se a Cantão e dali seguirem para a Europa, mas as tempestades arrastaram o navio até às costas da Califórnia. Daí voltaram para a Ásia e chegaram ao Japão, já fechado aos estrangeiros. Passaram depois para a Formosa (actual Taiwan) onde, pelo facto dos nativos se terem oposto ao desembarque, recorreram à força, matando muitos. Depois de uma estadia de 16 dias, fizeram-se à vela para Macau, onde chegaram a 22 de Setembro de 1771, só com 65 tripulantes. Em Macau, durante a sua estadia, faleceram ao todo 22 pessoas.
Não se sabe se a russa Afanásia du Niloff, quando fugiu com o conde húngaro, sabia ou não que este era casado, ou mesmo quando teve conhecimento disso. A filha mais velha do governador Niloff morreu em Macau e foi sepultada na igreja de S. Paulo.
Outra dessas pessoas sepultadas em Macau era uma senhora que foi desembarcada com o seguinte pedido muito extraordinário ao governador: “Que o cadáver fosse enterrado, onde ninguém jazera até então e num lugar honroso; que se desse licença ao barão para assistir ao funeral a fim de prestar honras especiais à defunta”. O pedido despertou curiosidade a dois Franciscanos que, à noite, descobriram o corpo de um homem quando espreitaram para dentro do caixão. Descoberto tal malogro logo se deu ordem para dar ao morto um enterro ordinário, tendo o barão declarado que era um príncipe do Império, enquanto outros disseram ser um bispo. Após quatro meses de estadia em Macau partiram e no ano seguinte o conde encontrava-se já em Paris, oferecendo-se ao Governo francês para fundar uma colónia em Madagáscar.
Rei de Madagáscar
Maurício Augusto Benyowsky, acompanhado da sua esposa que vinda da Hungria se juntou a ele em Paris, partiu para Madagáscar em 1773 num navio e com soldados que o governo francês lhe pôs à disposição. Passado uns tempos de aí ter chegado, tomou conhecimento de uma história antiga. Contava esta que a filha de Rimini, o chefe da ilha, fora raptada e vendida a estrangeiros, que a levaram para fora da ilha. Então veio-lhe a ideia de se apresentar aos nativos como o filho dessa princesa, versão confirmada pela mulher negra que trouxera consigo que acrescentou que fora companheira de cativeiro da então jovem raptada. O povo acreditou e assim, em 1776 foi proclamado rei da ilha de Madagáscar.
Maurício Augusto Benyowsky voltou a Paris, agora como rei, para fazer um tratado de aliança. Mas devido à desconfiança e ciúmes dos oficiais franceses, conhecedores da história como este estrangeiro tinha conseguido tal cargo e o título de rei difamaram-no dificultaram-lhe todos os projectos. Sem conseguir nenhum tratado com os franceses, rumou para a América e uma firma de Maryland disponibilizou um barco para o regresso do rei à sua ilha. Esta encontrava-se já nos mapas europeus no ano de 1500, quando o português Diogo Dias aí passou. No século XVII, os franceses tentavam a sua colonização e tinha então um rei europeu escolhido pelos nativos. Na viagem, ainda ressabiado com os franceses, o rei Benyowsky aproveitou para, com a ajuda dos seus súbditos, tomar a feitoria francesa de Angoutzi, onde começou a construir uma cidade. O exército do governador da ilha de França para aí se deslocou e o rei escondeu-se com os seus, mas quando estes sentiram os assobios das balas a passar perto, fugiram, deixando-o desamparado. Acabou por ser morto por uma bala.
Soube-se só muito mais tarde que o misterioso pretenso barão, que apareceu em Macau em 1771, era um astuto aventureiro, condenado a trabalhos forçados no Canchatca, por crimes cometidos talvez em Petersburgo, ou em Moscovo e os seus soldados eram presos, que com ele seguiram para o exílio. Com uma grande astúcia conseguiu convencer tudo e todos e até os governadores nele acreditaram. O governador de Macau tratou-o mesmo como um príncipe.
Artigo da autoria de José Simões Morais publicado no JTM de 21-12-2011

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