domingo, 10 de março de 2013

Manuel Vicente (1934-2013): o "arquitecto de Macau"

 Manuel Vicente em Macau (2011). Foto de Gonçalo César de Sá

Capa suplemento Ponto Final Maio 2012
O arquitecto Manuel Machado Vicente morreu em Lisboa, aos 78 anos, vítima de doença. Nascido em 1934 (Lisboa) formou-se na Escola de Belas Artes de Lisboa (1962) e começou a trabalhar em Goa. Daí seguiu para Macau, onde esteva pela primeira vez até 1966 à frente do Gabiente de Urbanização. Prosseguiu depois os estudos nos Estados Unidos, fazendo o mestrado na Universidade da Pensilvânia (1969), ao lado de Louis Khan.
Na década de 1970, já em Portugal, dedicou-se ao ensino e chefiou o sector de Planos Habitacionais do Fundo de Fomento de Habitação (1973/77). No final dessa década regressaria para uma segunda temporada em Macau. 
Datam deste período alguns dos seus mais significativos projectos no território, como são os casos das 3 torres residenciais da Barra (1976) e dos edifícios do bairro social do Fai Chi Kei (1977). Na década de 1980 destaca-se a concepção do novo edifício da TDM-Teledifusão de Macau (1986).
Já na década de 1990 realce para o Posto de Bombeiros do Bairro da Areia Preta (1992), a criação do edifício do World Trade Center (1995) e para o projecto multidisciplinar que liderou no fecho da Baía da Praia Grande (1996).
Em 1987 recebeu o Prémio AICA/MC (Associação Internacional de Críticos de Arte/Ministério da Cultura), que todos os anos distingue um nome consagrado na área das Artes Visuais e outro na área da Arquitectura. Em 1993 recebeu o Prémio da Associação de Arquitectos de Macau e um ano depois foi distinguido com a Medalha de Ouro da ARCASIA (Secção Ásia da União Internacional dos Arquitectos) pelo conjunto Fai Chi Kei. Em 1998 foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Mérito pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio. Em 2005 recebeu pela segunda vez a Medalha de Ouro da ARCASIA (Architects Regional Council Asia), na categoria de melhor espaço público. Foi membro da comissão instaladora da Associação de Arquitectos Portugueses (1975-1977) e vice-presidente da Ordem dos Arquitectos (2002-2007).  Manuel Vicente dedicou também parte da sua vida ao ensino, tendo passado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e pela Universidade Autónoma. Mais recentemente foi o autor, com José Santa-Rita, do projecto de recuperação da Casa dos Bicos, que acolhe actualmente a Fundação José Saramago (Lisboa).
Link para documentário sobre a obra de Manuel Vicente em Macau
Comentários dos seus pares em Macau à agência Lusa.
Arquitecto Carlos Marreiros:
"Manuel Vicente foi um arquitecto muito criativo, às vezes roçando a  genialidade, muito interventivo e muitas vezes polémico também; (...) a sua obra "caracteriza-se por um desenho forte, não era um gesto de arquitectura para desaparecer, mas era um gesto para se impor, era uma arquitectura imponente neste sentido, independentemente da envergadura" da sua intervenção (...)  "Mesmo em elementos construídos mais pequenos, a sua arquitectura impunha-se" (...) "Perco um amigo, perco um mestre e Macau perde alguém que significou a sua paisagem construída, alguém que soube polemizar a arquitectura e alguém que elevou a profissão de arquitecto e a prática da arquitectura não só como um serviço profissional mas como uma disciplina do saber"(...) Manuel Vicente "contribuiu cívicamente para promover a profissão e para fazer da arquitectura algo que hoje é respeitado em Macau e também a sua profissão ser reconhecida aqui e além-fronteiras".  
Arquitecto Rui Leão 
"Manuel Vicente é uma figura gigante para Macau por toda a arquitectura que ele deixou, maravilhosa, comunicante, alegre, com vontade de perceber a cidade, os outros, a China, nós na China, tudo, isto no meio de grandes revoluções e atribulações do modernismo do século XX, da vida dele, dos amigos, de todos nós e também daqueles que conhecia pelo caminho e no dia-a-dia" (...) tinha um grande carinho por toda a obra que tinha desenhado e deixado em Macau".

Fai Chi Kei (cima) e TDM (baixo)
Conheci Manuel Vicente através de um amigo em comum, também arquitecto, o José Romano. Foi a 26 de Maio de 2010 que partilhámos a mesma mesa durante uma conferência sobre "Arquitectura e Urbanismo de Macau 1999-2009" decorreu no Museu do Oriente em Lisboa. Tratou-se de um encontro fugaz mas o suficiente para perceber que Manuel Vicente era uma pessoa fora de série...
Em Macau, terra onde Manuel Vicente viveu em trabalhou mais de 30 anos (ao longo de diversos períodos) já conhecia a sua obra, em especial o edifício da TDM onde trabalhei. Em 2011 tb no Museu do Oriente esteve patente a exposição Trama e Emoção.
Ana Vaz Milheiro, prof. de história de arquitectura (em 2011):
“Manuel Vicente trouxe uma lufada de ar fresco e contrastava com a moralidade dos anos 1960, que colocava em dúvida” (...) “Macau era uma terra disponível, sedenta de construção”.
World Trade Center em Macau
Manuel Vicente por ele próprio...
Entrevista ao "Público" 27-7-201: "Não confundo cultura com erudição. Há a informação, há a erudição, mas a cultura tem a ver com aquilo que a gente sabe, sem saber que sabe. E é isso que se transmite. Acho que a cultura portuguesa é mais reconhecida pela comida do que pela língua. Se for a Macau ou à Índia, nas mercearias encontra sempre azeite ou bacalhau. Esta é a memória que a gente deixou que se transmitisse. Esta história da comida é mais essencial do que a herança da língua e isto é que é cultura. É uma experiência mais total. "
Num debate sobre arquitectura que se realizou no Museu do Oriente (2011):
“Uma grande percentagem dos arquitectos que praticavam em Macau foram para lá porque eu fui, ou porque eu estava lá” (...) “Todos os desenhadores foram feitos por mim – e se isto não é uma escola, não sei o que é uma escola. (...) “Se alguém olhou para Macau com olhos de ver, com vontade de perceber o que aquilo era, foi através de mim” (...) “Se há arquitectura moderna em Macau, a mim se deve” (...)
 Posto de Bombeiros do Bairro da Areia Preta

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