sábado, 11 de abril de 2015

Almerindo Leça: 1908-1995

Almerindo de Vasconcelos Lessa, natural do Porto, médico, humanista e professor universitário, esteve ligado a Macau através de vários projectos de investigação na área da antropologia cultural dos trópicos e da biomedicina do sangue. (...) Formado em medicina pela Faculdade de Medicina do Porto, em 1933, foi assistente do Professor Abel Salazar na cadeira de Anatomia Microscópica. Dizia que Abel Salazar, era “a mais poderosa e desconcertante inteligência que até hoje conheci, e sem dúvida a mais chegada a mim, devo a iniciação nos rigores do método experimental, bem como a inquietação científica, um tudo nada céptica, de que padeço ainda hoje”. (...)
Em 1941 funda os Serviços de Sangue nos Hospitais Civis de Lisboa, tendo realizado missões médicas em Goa (1950), em Angola (1950), em Moçambique (1951), em Cabo Verde (1956) e em Macau (1960, 1974 e 1981). (...) O seu doutoramento será em Medicina e Cirurgia, na Universidade do Porto, em 1956, com uma tese sobre “A Individualidade Biológica do Sangue”. O aprofundamento das suas investigações conduzem-no a um outro doutoramento, em 1970, na Universidade de Toulouse, apresentando a tese, “L’Histoire et les Hommes de la Premiére Republique Democratique de L’Orient: Anthropobiologie et Anthroposociologie de Macao”.
A ligação a Macau remonta ao início da década de sessenta quando chefia uma missão sero-antropológica cuja objectivo era estudar as leis genéticas da miscigenação local. Será louvado, mais tarde, em 1962, pelo Governador Jaime Silvério Marques, pela qualidade científico-cultural do trabalho realizado.
Macau começou a apaixonar o cientista, que se revelará um conhecedor profundo da sua plurissecular história. Almerindo Lessa começou a olhar para a história ‘altiva’ do Território, vendo nela insuspeitadas qualidades autonómicas: “Reflectindo no Oriente, é certo, o estilo medieval da Europa, espécie de pequeno estado apenas, por assim dizer, nominalmente sujeito à mãe pátria e até 1585 quase desconhecendo o Vice-Reinado de Goa, ao qual só a ligavam a presença temporária dos capitães da rota do Japão, como sucederia de 1557 a 1625 (o tráfico no Pacífico sendo um negócio da cidade, mas o tráfico com a Europa continuando monopólio real, tanto que os direitos de passagem pelos mares de Goa, devidos ao rei, só seriam perdoados durante as guerras com Castela), os mandarins de Cantão viam, estupefactos, aquela pequena república mercantil olhar de frente os governadores que lhe mandavam, os próprios bispos e até o Rei”.
Chama-nos, igualmente, a atenção para uma diplomacia inovadora nas subtilezas processuais: “De modo igualmente maquiavélico (e durou setenta anos! De 1554 a 1625) tínhamos estabelecido uma governação volante de três capitães: um em terra, outro já no mar a caminho do Japão e o terceiro, também já em rota, desde Goa para Macau, por forma a nenhum estar por mais de dois ou três anos seguidos, o que dava à administração um ar de descontinuidade, de curta permanência no poder, e enganou os chineses que no método só viram a instabilidade governativa própria de uma nação bárbara”.
Com Jacques Ruffié publica em Paris, no ano de 1966, “Le facteur Diego chez les chinois originaires de la province de Kouangtong”.
Em 1967, organizou em Lourenço Marques um importante seminário sobre “Os portugueses, chineses e mestiços luso-tropicais que desde há quase cinco séculos habitavam uma pequena região do Rio das Pérolas”. A essência de Macau estava no mar: a “cidade era um cais. Toda a sua riqueza estava no giro marítimo. Chamava ‘dinheiro vivo’ aos empréstimos que fazia por hipoteca sobre barcos e fretes. Do mar vinha a prosperidade e a conservação”. Recorde-se que, nesse tempo,estava radicada em Moçambique uma numerosa e dinâmica comunidade chinesa.
Retorna a Macau em 1974 para expandir as investigações anteriores. É-lhe cometida a missão de estudar a implementação de uma nova orgânica institucional para a política de saúde e de assistência social. Propõe o Centro Hospitalar Sun Yat Sen. A ideia ficou na gaveta da secretária do governador.
No prestigioso College de France, na qualidade de professor convidado, lecciona um curso sobre a “História do Povoamento Português dos Trópicos”, inteiramente focado no seu trabalho nas missões médicas em Cabo Verde e em Macau.
Em 1977 aceita o desafio de presidir à Comissão Instaladora da Universidade Internacional de Macau, da qual será o Reitor. Vicissitudes diversas ditaram a sua extinção em 1982. O ensino superior em Macau caminhará por outras rotas e com objectivos completamente diferentes daqueles então traçados.
A bibliografia de Almerindo Lessa é tão extensa quanto importante e destaco os seguintes títulos: “Sua Magestade, a Criança”, 1924; “Educação Sexual da Mocidade”, 1934; “As Novas Orientações da Medicina Escolar”, 1937; “Ensaio sobre a Metodologia da Higiene no Ensino Secundário”, 1939; “Uma Urgente Questão Nacional. Da Necessidade de Dignificar a Prática e o Ensino da Medicina na Índia Portuguesa”, 1952; “Exposição de Motivos e Programas para uma Universidade Internacional de Férias – Macau”, 1978; “A História e os Homens da Primeira República Democrática do Oriente. Biologia e Sociologia de uma Ilha Cívica”, 1979; “Universidade Internacional de Macau”, 1980; “Macau – Ensaios de Antropologia Portuguesa dos Trópicos”, 1996.
Entre as suas condecorações, avultam a Legião de Honra, a comenda da Ordem do Infante D.Henrique, a comenda da Ordem de S. Tiago de Espada ou a Medalha de Ouro dos Hospitais Civis de Lisboa. Recebeu os Prémios “Instituto Português do Oriente” e “Nunes Correia Verdades de Faria”. O seu nome integra a toponímia da cidade de Lisboa.
Excertos de um artigo da autoria de António Aresta publicado no Jornal Tribuna de Macau a 20-01-2011

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